Uma Internação Psiquiátrica

Dr. Júlio César de Almeida Barros Psiquiatra com 36 anos de experiência clínica e formação em  hipnoterapia individual e de grupo. Criou e inaugurou o Pronto Atendimento Psiquiátrico em 1987, desde então, adquiriu grande conhecimento e prática em emergências psiquiátricas.

Introdução

Limitar-me-ei a apresentar este caso sob o prisma do período de sua hospitalização. O enfoque será sobre os sintomas e a psicopatologia. Darei atenção especial à reação da paciente,  evolução e prognóstico. Procurei analisar o trabalho da Equipe de Enfermagem, a intervenção da Psicóloga, a atuação hipnoterapêutica do Psiquiatra e ação dos medicamentos.

  1. Admissão da Paciente

Na admissão da paciente destacarei quatro pontos:

  1. O relatório do Auxiliar de Enfermagem
  2. O telefone
  3. O dinheiro
  4. O sintoma – alvo.

 

  1. Relatório do Auxiliar de Enfermagem

Dia 09-08-98, plantão diurno, de 7 às 19HRS.: ‘’por volta das 9:30hs, recebi um telefonema da UNIMED, me solicitando uma vaga feminina. Foi enviada a paciente EME, já conhecida da casa, acompanhada de seus familiares e bem agitada. Falando muito, com síndrome de medo. Inclusive quando a paciente Cê estava tomando iogurte, ela achou  que era veneno, jogando-o fora. Comuniquei o fato à Chefe de Enfermagem que achou melhor trancá-la no quarto. Por volta das 17:30hs, Dr. Júlio veio a esta Clinica e a medicou’’.

 

  1. O telefone

Diversos aspectos administrativos estão envolvidos numa internação psiquiatra. Estes fatores burocráticos  geram reação emocionais e passionais nos acompanhantes e familiares. Determinam atitudes  e condutas empíricas nos profissionais que estão atendendo na Emergência Psiquiátrica. O resultado é que tudo poderá ser percebido e absorvido pelo paciente provocando mais alterações, melhorando ou piorando seu estado de saúde.

Atenção especial deve ser dado ao TELEFONE. O atendente deve saber ouvir e perguntar, ser bem educado e transmitir  segurança ao cliente e familiares. Não se deve demorar a atender a ligação, pois a presteza ao atender a chamada demonstra interesse e organização e tampouco deixar uma pessoa esperando muito tempo na linha. É importante ser coloquial, porém mesclando isso com uma certa dose de formalidade. Falar com clareza, usar o tom de voz adequado e manter o aparelho à distância correta na boca. Evitar negativos e confrontos com o cliente conduzindo a conversa e estando preparado para responder às reclamações.

Mas não basta seguir a receita. Todos os dias estão ocorrendo novas situações, exigindo decisões de quem atende o telefone. Em geral, são situações simples, mas que podem se tornar complicadas se o atendente não estiver bem preparado para o contato com o público. O funcionário tem que agir com autonomia, conhecer a filosofia e os serviços do hospital.

Portanto o manuseio adequado e a comunicação dos interlocutores poderão estar decidindo o destino da paciente.

Neste caso a paciente EME encontrava-se num Pronto Socorro UNIMED, especializando em Emergências Clinicas. Por telefone o Atendente Psiquiátrico valendo-se do argumento ‘’a paciente EME, já é conhecida da casa’’, em autonomia e transmitindo segurança aos familiares aceitou o encaminhamento medico e proporcionou a internação da paciente no Pronto Atendimento Psiquiátrico.

De fato o paciente ‘’já era conhecida da casa’’. Estava em tratamento farmacoterápico há aproximadamente um ano, com consultas regulares mensais, no consultório do Psiquiatra. E a seguir ela mesma foi internada numa crise dissociativa leve e recebeu alta em 48 horas. Posteriormente a paciente não comparece ao retorno previamente marcado e interrompe o tratamento.

No entanto esta mesma expressão ‘’já conhecida da casa’’ aponta o raciocínio noutra direção.  Se ‘’já conhecida da casa’’ por que os familiares não procuram diretamente o Pronto Atendimento Psiquiátrico. Entre tantas explicações que poderiam justificar esta atitude dos familiares, não há como negar, uma notória atuação, resistência e contratransferência da paciente.

 

  1. O dinheiro

Outro ponto a ser focalizado são as questões que explicita ou implicitamente remetem a questão do dinheiro. Nesse caso da paciente EME, o dinheiro esta simbolizado pelo plano de saúde UNIMED.

Imaginemos o diálogo entre o Pai da paciente e o Psiquiatra.

– Dr. o Sr. interna pela UNIMED?

– Sim. Mas tem que verificar se o plano dela dá direito a internação psiquiátrica.

– O plano dela é o ‘’A’’, é um plano completo.

– Muito bem. Então o Sr. vai levar este Pedido de Autorização junto com a carteirinha lá na UNIMED. O Sr. tem prazo de 48 horas para trazer a autorização.

– Quantos dias o Sr. está pedindo para ela ficar internada?

– Estou fazendo uma previsão  inicial de 10 dias.

– E se a UNIMED não autorizar  a internação?

– Então, passaria a particular.

– E se a gente não tiver condições de pagar?

– Posso fazer um encaminhamento para um hospital do SUS.

– Não Dr. Nós gostaríamos que ela ficasse internada ai. Quanto ficam os 10 dias de internação?

– R$ 980,00 reais.

– Nossa! É muito caro. O Sr. divide? Tem diferença para preço à vista?

– Podemos dividir em até 4 vezes, ou à vista tem um desconto e vai para R$ 800,00 reais.

– O Sr. dá garantia de que ela fica boa?

– Bom. O Sr. conhece aquele comercial da TV MITSUBIHI – compre uma televisão MITSUBISHI agora e tenha garantia até a próxima Copa do Mundo.

– Está bem Dr. Muito obrigado. Então deixa eu ir lá na UNIMED.

Vinte quatro horas depois o pai do paciente volta com a Autorização da Internação. As despesas dessa internação serão pagas pela UNIMED.

O dinheiro é um ponto crucial  e está entrelaçado, que quanto mais abordado explicitamente e resolvido previamente, mais equilíbrio terá a relação entre os familiares, o Psiquiatra e a paciente.

 

  1. Sintoma-Alvo

Na avaliação psiquiátrica de emergência, a entrevista é restringida quase sempre, pela gravidade e natureza do problema do paciente. Para lidar com o amplo espéctro possível de uma Emergência Psiquiátrica, o psiquiatra precisa ter a capacidade de fazer estimativa rápida do paciente e uma triagem mental de modo que a avaliação seja bem feita.

A elaboração do diagnóstico não é separável do contato terapêutico. Henry Ey afirma que o diagnóstico, o prognóstico e a prescrição da terapêutica são tomados em um mesmo movimento

A abordagem deve ser direta, terna e interessada para os sintomas que motivam a família a conduzir o paciente ao Pronto Atendimento Psiquiátrico. Estes sintomas são chamados sintomas-alvo.

Então voltemos aos relatórios do Auxiliar de Enfermagem, sobre o caso EME.

_ … ‘’a paciente está bem agitada’’…’’achou melhor trancá-la no quarto’’

_ … ‘’falando muito, com síndrome de medo. Inclusive quando a paciente Cê usava tomando iogurte, ela achou que era veneno, jogando-o fora’’.

Conclui que os sintomas-alvo, são:

  1. Agitação psicomotora
  2. Agressividade
  3. Delírios persecutórios
  4. Fobias

 

O exame do estado mental paciente prossegue de forma rápida e ativa. Os dados são completados peça subjetividade captada pelo Psiquiatra. No caso EME soma o fato dela ser paciente do Psiquiatra há mais de um ano.

Quando o Psiquiatra foi examiná-la pela primeira vez no Pronto Atendimento Psiquiátrico, ela já estava internada e trancada no quarto. O Psiquiatra pode perceber um bom nível de conseqüência, roupas em desalinho, hipervigilante, irritada, zangada e falando muito alto. Às vezes gritava, andava de um lado para o outro. Não se rebelava pelo fato de estar trancada no quarto. O psiquiatra tenta um diálogo:

Psiquiatra – E ai, EME. o que está acontecendo?

Paciente – Medo. Medo. Espírito. Espírito.

Psiquiatra – Sim eu sei, mas como é sentir este medo? Medo de alguém? Medo de alguma coisa? Ou realmente você não saberia dizer o porque do medo? Ou você preferiria não falar desse medo?

Paciente – Medo. Medo. Espírito. Espírito.

O psiquiatra insiste um pouco mais, mais já é o suficiente para saber que o diálogo não irá muito longe, porque a paciente tende para a ecolalia (repete nas respostas ao psiquiatra muitas das palavras empregadas pelo mesmos) e verbigeração (repetição sem sentido das mesmas palavras).

Os sintomas-alvo e essa percepção rápida e ativa do Psiquiatra devem permitir a realização de uma primeira impressão diagnóstica. Essa primeira impressão diagnóstica vai direcionar imediatamente as intervenções hipnoterápicas e farmacoterápicas.

No caso EME e primeira impressão diagnóstica formulada pelo Psiquiatra foi de Neurose Histérica.

Tratando de histeria, com justificativas racionais do que os sintomas-alvo eram nada mais que teatralidade e manipulações, o Psiquiatra, conclui que deve proceder uma intervenção psicoterápica de oposição. O Psiquiatra manteve hostil e distante da paciente valendo-se da autoridade de médico, deu ordens à enfermeira:

_ Faça 2 ampolas de Haldol no músculo e deixa-a trancada no quarto. O Psiquiatra em seguida se retira do Pronto Atendimento Psiquiátrico.

Embora a prescrição farmacológica fosse adequada para tentar suprimir um sintoma alarmante, a conduta psicoterapêutica de oposição  na verdade, foi um recurso agressivo e contratransferencial. E como não poderia deixar de ser, a contratransferência trouxe  efeitos negativos, inviabilizando inclusive aquilo que o Psiquiatra mais desejava, a sedação da paciente.

Veja o relatório da enfermagem:

Dia 09-08-98, plantão noturno, de 19 às 07hs. ‘’Ao assumir o plantão, a paciente estava dormindo. Acordou às 20hs, super confusa, não falando coisa com coisa, chorou, gritou e aos poucos foi se acalmando e dormiu. À 01:35min., dormindo tranquila, acordou às 5hs, com fobia e em pânico’’.

Aqui termina as primeiras 24 horas de assistência à paciente EME. A Emergência Psiquiátrica está para o Psiquiatra, como fogo está para o bombeiro. O Corpo de Bombeiros  deve somar todos os esforços para atenuar os estragos provocados pelo incêndio. A seguir serão analisados os 45 dias de hospitalização da paciente EME.

 

Bibliografia:

  1. Suma Econômica Telemarketing na linha do sucesso, 1996
  2. O Significado Secreto do Dinheiro – Cloé Madanes e Cláudio Madanes, Editoril Psy 1997.
  3. Kaplan e Sadock – Compêndido de Psiquiatria Dinâmica – 1984
  4. Manual de Emergência Psiquiátricas – Steven E. Hyman – 1986
  5. Manual de Psiquiatria Henry Ey – 1981

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