Esquizofrenia - Caso Harthur

O paciente é esquizofrênico. Sim ele preenche os critérios diagnósticos. Mas Harthur não nasceu esquizofrênico. Os traumas infantis foram as causas. O pai era alcoólatra e violento. A cena traumática é forte. O pai portando um revolver atirava dentro de casa. Harthur era criança brincava debaixo da mesa com os irmãos, jogavam baralho, e de repente aquela correria.

Harthur preenchia os critérios diagnósticos da psiquiatria para a Esquizofrenia. Harthur delirou. Ouvia vozes, alucinava. As vozes diziam que o pai queria matá-lo. Era alucinação ou verdade. Não sei se o pai queria de fato matá-lo, mas na infância os tiros saídos daquele revolver poderiam ter matado. Hartur tinha apenas nove anos de idade. Aquele alvoroço na casa, mãe e irmãos gritando. Medo estampado no rosto de todos. A noite era pior, o medo de dormir e ser morto pelo próprio pai. Ainda que tal tragédia pudesse acontecer era improvável de que fato ocorresse. O pai não queria matá-lo era efeito da bebida alcoólica. A vivência, a sensação de que um tiro pudesse atingi-lo na madrugada, era um tormento, caberia estar vigilante, um olho aberto outro fechado, é o início da paranóia.

A realidade e o imaginário. A criança por si sobrevive da fantasia e da imaginação. Uma infância saudável permite a criança imaginar e criar personagens, é o mundo do faz de conta. Quando Harthur completou os dezoito anos de idade surtou. A psicose aflorou de forma intensa no trabalho. Imaginava o chefe perseguindo, querendo lhe prejudicar. A paranóia não era estruturada e sistematizada. A paranóia era perturbadora, não lhe deixava dormir, saia andando pela rua, sem rumo e sem destino.  Quando ausentou do trabalho, o fato chamou atenção, então, pela primeira vez foi conduzido ao psiquiatra. O risco de ser demitido era concreto, o chefe, a empresa não entendeu  que a falta ao trabalho era por causa da doença. A psicose provocando estragos, destroçando a organização mental, uma crise de despersonalização.

Quando olhamos a foto de Harthur é absolutamente normal com dois anos de idade, são cinco irmãos. Ele mais velho, mais quatro homens e uma irmã. Quando houve o trauma a família contabilizava cinco irmãos com ele, depois nasceu mais um irmão, chamado temporão, fora de época. Aquela pergunta que não quer calar. Todos os irmãos sofreram o mesmo trauma, mas porque somente Harthur desenvolveu a esquizofrenia.

O surto aflorou quando ele estava com 18 anos de idade. Manifestou no local de trabalho, no seu primeiro emprego. Conseguiu terminar o segundo grau concluindo o técnico mecânico, mas não exerceu a profissão. Foi aprovado no concurso dos Correios e Telégrafos, mas acabou por ser demitido, em razão da doença.  A crise psicótica impediu o progresso profissional. Esta é uma questão relevante nos pacientes esquizofrênicos. A esquizofrenia interfere e prejudica todos os setores da vida do sujeito, em relação ao padrão considerado de normalidade. A sociedade aponta como referência de normalidade, o sujeito que trabalha ou estuda, ou as duas coisas trabalham e estudam, se progride materialmente na vida e tem relacionamento amoroso ou afetivo. Quanto mais precoce o surto esquizofrênico mais interferência negativa no desenvolvimento do indivíduo. Interrupção nos estudos, bloqueios nos vínculos afetivos e carreiras profissionais catastróficas.

Namorou apenas uma vez e não se envolveu com mais ninguém. Permaneceu solteiro e aposentou por invalidez mental, pelo INSS. Não retornou aos estudos. Portanto seu mundo estagnou e restrito ao ambiente familiar, na companhia do pai e da mãe. Este mesmo pai que continuou alcoólatra, bebedeiras, brigas na rua e em casa. Por várias vezes o pai agrediu a mãe de Harthur com socos e pontapés.

O tempo passou. Desde a juventude até a fase adulta, próximo dos cinquenta anos, inúmeras internações psiquiátricas. Internado em hospital psiquiátrico, sistema fechado e tradicional, recebeu altas doses de neurolépticos para conter as frequentes agitações psicomotoras, tal como o pai aprendeu a quebrar os objetos domésticos. Hostilizava as pessoas que estavam dentro de sua casa e também queria agredir a mãe. Tentou suicídio, se jogou de um barranco muito alto, com traumatismo craniano, se jogou na frente de um carro na BR com fraturas nas pernas, e por último quando estava sendo conduzido para o hospital para mais uma internação, agarrou o braço do motorista do carro e de solavanco tirou o carro da estrada que desceu pirambeira abaixo e capotou. Estavam dentro do carro Harthur, o pai e a mãe, mais o motorista. O carro destroçou, perda total, mas felizmente todos foram salvos, sem nenhum ferimento mais grave ou contusão que deixasse sequela.

Desde a primeira infância viveu dentro de mundo real e subjetivo de turbulência. E quando reinava um pouco de paz, um período de sossego no mundo real quem não se aquietava era a própria mente. As ideias e as representações emocionais eram permeadas de angústia, inquietude e insatisfação.  Nada estava bom. Tudo ruim.

A percepção introjetada era de um mundo mau. Ainda que fosse proporcionado conforto e bem estar material, ainda assim, não sentia este conforto. Residiu quase toda sua existência na companhia dos pais, numa casa boa, espaçosa, numa cidade do interior. A cidade constituída de uma população onde as maiorias das pessoas se conhecem. Para o esquizofrênico isto é uma vantagem, oferece segurança, aceitação e reconhecimento.

Esta insatisfação era mais uma herança de seus pais. A mãe raramente agradecia, ela era muito insatisfeita. A mãe sentia vítima de um marido alcoólatra. A imagem da mãe era de uma pobre coitada. Harthur não encontrava na mãe o afeto e os cuidados protetivos. A mãe era carente e também ansiava por ajuda. Ela não se posicionava diante do marido. Omissa, sujeitava a humilhação, as grosserias e as agressões advindas do esposo. A separação conjugal seria uma atitude saudável.

Depois de tantos acontecimentos, é possível prever um futuro nada promissor para o esquizofrênico. Suas vivencias e suas preocupações se voltarão para o tratamento psiquiátrico. Tomará medicamentos e submeterá a algum tipo de psicoterapia. Os tratamentos serão intermitentes, períodos de melhora e períodos de piora. Os medicamentos produzem efeitos terapêuticos nos sintomas produtivos, mas por outro lado produzem efeitos sedativos e outros efeitos colaterais.

Tentativas serão feitas. Alguns familiares estimularão o paciente a trabalhar. Mas o paciente não conseguirá desenvolver tarefas de forma continuada. Por um tempo executará a tarefa e depois interromperá. A esquizofrenia impedirá uma profissionalização e trabalhos consistentes e duradouros. Os estudos mormente serão  interrompidos. Estabelecer vínculos afetivos e relações amorosas serão quase impossíveis, namoros e casamentos quando ocorrem são desastrosos. Hartur namorou e trabalhou por pouquíssimo tempo, os estudos foram interrompidos e  a socialização foi superficial. Não conseguiu se envolver em projetos sociais na comunidade onde viveu.

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