É o destino ou razão psicológica?

Dr. Júlio César de Almeida Barros Psiquiatra com 36 anos de experiência clínica e formação em  hipnoterapia individual e de grupo. Criou e inaugurou o Pronto Atendimento Psiquiátrico em 1987, desde então, adquiriu grande conhecimento e prática em emergências psiquiátricas.

Raíza, nascida em zona rural. Família de muitos irmãos. Sua mãe fora austera. Colocou para trabalhar cedo. Fazia os serviços da casa, ajudava a cuidar dos irmãos. Outras vezes ia para roça,  capinar o milho e o arroz. Não sobrava tempo para divertir e quando sobrava tempo o pai não permitia, ou alegava  que não tinha dinheiro. Sua infância é cheia de situações difíceis e dolorosas, sem nenhum prazer.

Raíza julgava a situação econômica de seus pais de extrema pobreza. No seu íntimo jurava que sairia desta miséria e um dia viria morar na cidade e vencer na vida. O primeiro sonho era transferir-se da vida rural para a cidade e  O sonho tornou-se realidade.  Na cidade conseguiu o emprego de auxiliar de serviços gerais que lhe garantia o sustento e a sobrevivência.

Do casamento Raíza recorda lembranças extremamente desagradáveis.  " na época do casamento, precisava de cobertores para compor o enxoval....meu pai dizia que enxoval era coisa de rico e a mãe que tinha muitos cobertores, não lhe deu nenhum de presente... nem meu pai e nem minha mãe compareceram ao meu casamento...quando recebia os cumprimentos dos convidados perguntavam onde estavam o pai e a mãe..."

Existem fatos e acontecimentos na vida que para uns são apenas umas nuvens passageiras mas para outras pessoas são  experiências  registradas no inconsciente transformando em traumas.  Não é fácil para o paciente diferenciar o simbólico do real.

O cobertor no real significa proteger e aquecer do frio.A paciente de forma singela e pura fala da mágoa em relação a mãe que não lhe presenteou sequer com um cobertor mas na sequência em associação livre fala da ausência da mãe ao casamento.  Numa leitura simbólica a recusa de presenteá-la com o cobertor significa  a carência afetiva. A mãe fria que não a protege, não a aquece. Para complicar surge o argumento racional da falta de dinheiro. As condições financeiras da família eram precárias, por esta razão não fora presenteada. Uma amálgama infeliz e racionalmente congruente. Este registro é perene, sem contraponto futuro, implicará numa transferência por gerações, carente de aconchego.

A idealização é um fenômeno mental legítimo e saudável, porem apresenta percalços principalmente quando objetiva suprir frustrações. Raíza se tornou mãe de cinco filhos, duas mulheres. Para as duas princesas imaginava os casamentos com os príncipes. Os maridos deveriam ser procedentes de famílias de classe média alta. O desejo foi realizado.

Uma de suas filhas Franciele, casou  com Glauss  rapaz de família tradicional,  burguesa,  família rica aos seus olhos. Entretanto Franciele decide algo inusitado e inesperado, por se achar de família pobre e para que o marido,  sogro e sogra não pensasse que estava interessada no dinheiro do marido, recusa a casar em comunhão de bens.   O conflito financeiro entre casais atravessam séculos desde os primórdios da cultura quando eram pré requisitos os estabelecimentos de dotes pautados na estratificação social até os dias de hoje onde marido e mulher possuem rendas e carreiras profissionais.

Raíza vangloriava de princípios e valores da mulher forte que dispensa homens provedores.  Franciele aprendeu dentro do lar esta lição e de imediato colocou em prática ao recusar incorporar  o percentual de direito matrimonial. Neste aspecto Franciele, identifica com sua mãe, vencer sozinha,  não precisa do dinheiro do marido. No extremo, em oposição, Glauss abastado financeiramente desde a meninice era protegido pelo pais que em qualquer situação estavam de prontidão para suprir as eventuais necessidades.

Franciele e seu marido trabalham e seus proventos são separados e administrados separados. Entretanto  na contabilidade doméstica em ocasiões de viajens, supermercados, restaurantes cabe a Franciele a cota maior, o marido figura como devedor inadimplente.

 

Aqui também a semelhança com a mãe é grande. Raíza sempre deu dinheiro ao marido e a recíproca era difícil. Francis comporta da mesma forma.

Nesta questão do dinheiro Raíza conta que certa ocasião, na adolescência, deseja ir a uma festa lá na roça foi impedida pelo pai.

O pai alegava que não tinha dinheiro e ela e os irmãos deveriam trabalhar. Então Raíza respondeu: eu trabalho para o vizinho e o dinheiro que ele me pagar eu dou para o Sr.  , meu pai; assim fez. Do dinheiro ganho noutro lugar, dava ao pai e este permitia que ela fosse as festas.

Algo semelhante ocorre com Franciele.  Franciele chama seu pai de pão duro. Raramente solta dinheiro. A mãe procura a terapia e diz que chegou a hora de seus filhos pagarem para ela. Franciele então assume o compromisso e paga a terapia para a mãe, aliviando o encargo do seu pai. Como Raíza fazia com seu pai.

Franciele por sua vez na separação com seu marido, está em dúvida se cobra seus direitos. Principalmente referente a cobrança de pensão para seu filho ou divisão dos patrimônios do casal.

Por que cobrar do marido significa cobrar do seu pai, o que é extremamente doloroso para ela.

Franciele pensa em separar. Tomada de dúvidas. Seus sentimentos são ambivalentes em relação ao marido. Tem pena dele e ao mesmo tem medo. Imagina que perderá o emprego.

É bem provável que Franciele, imagina que seu emprego foi conseguido graças a família do marido. Pois a casa que mora foi doada pelo sogro. É certo que o marido de Franciele não assume muitas coisas e sempre foi mantido as custas de seus pais.

Desta forma Franciele se separa e deverá exigir muito pouco. É bem provável que abre mão de tudo. E seu marido como já está acostumado a receber, receberá mais uma vez.

Francis não conseguirá  cobrar seus direitos.

Outro exemplo. Franciele procura advogado e coloca para seu marido possibilidade de acordo. Franciele associa ainda outra ainda situação quando relata que ao ter uma aventura amorosa e seu parceiro efetua o pagamento do motel, sente que tem que dividir as despesas. Noutro dia vai ao banco e deposita o valor que seu parceiro pagou na conta dele.

Como e ingênua e ate boba a Franciele. Espera um acordo de seu marido, este jamais terá esse altruísmo. Acostumado a enxergar apenas seu próprio umbigo, não cederá em nada a Franciele. E esta por sua vez acostumada a sofrer e fazer sacrifícios tal como sua mãe, provavelmente arcará sozinha com todo ônus da separação. Se isto não ocorrer continuará achar que tudo aquilo que recebe de seu marido é gratidão dos deuses.

Franciele sempre desprendida e boa, até procurou terapia para seu marido, acreditando que poderá dar saúde a ele. E também procura terapia para sua mãe. E para si mesma sempre está disposta a fazer sacrifícios.

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