Aplicação da hipnose em grupo de esposas de maridos alcoólatras

Dr. Júlio César de Almeida Barros Psiquiatra com 36 anos de experiência clínica e formação em  hipnoterapia individual e de grupo. Criou e inaugurou o Pronto Atendimento Psiquiátrico em 1987, desde então, adquiriu grande conhecimento e prática em emergências psiquiátricas.

O índice de alcoolismo é elevadíssimo. Os dados estatísticos apontam para 13% da população urbana estabelecem algum grau de dependência alcoólica. Para cada pessoa afetada pelo álcool mais outras quatro pessoas são prejudicadas, direta ou indiretamente. A prevalência entre os sexos é predominantemente, o masculino.

Poucos são aqueles alcoolistas que procuram espontaneamente o Pronto Atendimento Psiquiátrico para tratar. Ao contrário o grupo familiar disfuncional e doentio, recorre ao serviço de emergência à procura de ajuda. Assim, esposa e filhos, irmãos, mãe, pais, sogros, sogras, enfim pessoas que estão próximas e estabelecem uma convivência mais intima com os alcoolistas, frequentemente fazem uma consulta médica e/ ou psicológica. Incontestavelmente, a maior procura é da esposa, motivo pelo qual denominei este grupo homogêneo de ´´ Grupo de Mulheres de Alcóolatras’’.

As queixas principais das esposas dos alcoolistas, numa primeira entrevista psiquiátrica são os chamados distúrbios psicossomáticos: tonteira, esquecimento, nervosismo, impaciência, perda de apetite, palpitações, falta de ar, insônia, dor de cabeça, sensação de paralisia dos braços e das pernas, desmaios e visão embaçada. Para estas queixas somáticas as pacientes solicitam medicamentos para aliviar de imediato os sintomas.

Indiscutivelmente a conduta terapêutica, findo a primeira consulta,  inclui a prescrição, caso a caso, de benzodiazepínicos (diazepam, bromazepam, lorazepam), indutores de sono (alprazolam, estazolam, flunitrazepam, midazolam, zolpidem) e antidepressivos (fluoxetina, paroxetina, citalopram, venlafaxina).  Ilustrando: Caso 1. Queixa de insônia - Alprazolam 1 mg, a noite. Caso 2. Insônia, taquicardia, sudorese, medo, pânico.  Lorazepam 2 mg a noite e Venlafaxina 37,5 mg pela manhã.  Caso 3 - Insônia, desânimo, dor no corpo, apatia - Trazodona 50 mg  a noite Caso 4 - melancolia, tristeza, apatia, somatização, ideias persecutórias. Paroxetina 40 mg ao dia, Risperidona 1 mg a noite. O desfecho são os esclarecimentos, as orientações e o encaminhamento para hipnoterapia de grupo.

O grupo de mulheres de alcoólatras se propõe analisar, esclarecer, questionar o comportamento e as atitudes das esposas que reforçam e agravam o uso da bebida alcoólica de seus maridos. O terapeuta contribui para que as mulheres possam averiguar de maneira minuciosa, com riqueza de detalhes a própria ação dentro deste desgastado relacionamento conjugal. O arrazoamento do terapeuta tem a pretensão de subsidiar as mulheres para que elas possam elevar o nível de consciência e conhecer com mais propriedade a realidade na qual está submergida. O alcoolismo conduz inexoravelmente  a vida cotidiana do casal para o roteiro das futilidades implacavelmente danosa, daí a importância de peguilhar as banalidades, as frivolidades e as vulgaridades para direcionar o foco para a essência construtiva.

O grupo tem reunido mensalmente e cada sessão duas horas e trinta minutos. Serão no máximo doze sessões. O grupo inicia com o número mínimo de cinco  podendo chegar ao máximo de doze mulheres.  Exemplificando iniciamos um grupo com oito participantes. Supostamente que no mês seguinte outra paciente deseja participar isto será permitido. Então no próximo mês serão nove mulheres. Ou o contrário se alguma participante desistir ou ausentar não haverá problemas.  O grupo terapêutico continua com aquelas que comparecerem. Resumindo tanto podem entrar ou sair participantes. Algumas mulheres terão participado mais vezes e outras menos.

Hipnoterapia de grupo

Numa das sessões do grupo, quando as queixas somáticas estavam sendo enfatizadas, narrei a elas uma anedota. O paciente hipocondríaco não conseguia convencer seus médicos e nem seus familiares de suas doenças, e todos insistiam em afirmar que ele tinha mania de doença. Cansado de tanto sofrer, foi a funerária e encomendou uma placa para colocá-la em seu túmulo no dia de sua morte. Passado muitos anos depois, já bem velho, o hipocondríaco morreu, lá foi colocado a placa com os seguintes dizeres: ‘’ AGORA VOCÊS ACREDITAM ‘’

Formidável e encantadora maneira de envolver grupo de pessoas é contar piada, anedota ou estória engraçada. Não pode ser uma piada a esmo, mas contextualizada para sinalizar algo subliminarmente a ser captada ou pelo consciente ou ser absorvida pela mente inconsciente. Ainda que a piada não faça sentido naquele momento mais tarde impulsionará uma reflexão ou contribuirá para deslindar o tema em debate.

A indução da hipnose é inspirada no roteiro proposto pelo Prof. Malomar Lund Edelweiss em seu livro Com Freud e a Psicanálise Volta a Hipnose.  Cada uma de vocês procurem se acomodar na cadeira da melhor maneira que lhe convierem. O importante é que cada uma de vocês procurem a posição mais confortável.  O mais importante aqui, neste momento, na medida do possível, é você se sentir bem.  Inspire... expire. Respire profundamente... inspire....expire. Permita-se fechar os olhos, e agora, novamente respire profundamente, inspire... expire. Sinta cada parte do seu corpo, sinta os pés envolvidos pelos calçados e apoiados no chão, apoiados, firmes, seguros. Em seguida sinta os tornozelos e as pernas... as pernas que te ajudam a caminhar, com equilíbrio, relaxe...relaxe.., relaxe...inspire e expire, agora sinta os joelhos, as coxas e os quadris, relaxe... relaxe...dos quadris até a região do pescoço sinta a coluna que na parte de trás está encostada...bem encostada...confortavelmente...relaxe...relaxe...sinta o pescoço, a nuca e a parte de trás da cabeça....a parte de cima, a lateral direita e a lateral esquerda ...toda a sua cabeça.....relaxe, relaxe.  Assim você está do alto de sua cabeça até a ponta dos pés bem a vontade, tranquila, confortavelmente. Corpo e mente. Mente e corpo, saudáveis em perfeita sintonia. Permaneça assim um pouco mais de olhos fechado, usufruindo esta sensação de bem estar e conforto. Isso, agora pouco a pouco você vai abrindo os olhos, voltando... para o aqui e agora.

 

Antes do casamento elas pensavam, sentiam e agiam de acordo com as próprias convicções e educação recebida, havia uma identidade do eu, com o passar dos anos, estas mulheres adquirem um padrão de personalidade moldadas pelo comportamento dos maridos alcoólatras. A relação do casal e o ambiente familiar se transformam num emaranhado de fatos confusos e hostis.

Baixa auto-estima do casal – O alcoólatra tem introjetado em sua personalidade um profundo complexo de inferioridade que transmite a toda família. A esposa regride a um estado de extrema dependência nos seus valores de costumes, culturais, morais e ético, sentindo-se a última, insignificante e sobrante.

Passividade -  o infortúnio diário que se estende por anos provoca a inércia, a indiferença, a acomodação dentro deste contexto caótico do alcoolismo. Comentam, falam do sofrimento mas paralisam as ações, imobilizadas nas soluções, as mentes das mulheres foram metamorfoseadas para um estágio de entorpecimento e indolência.

Vítimas - chantagem emocional são transmitidas para as pessoas que as cercam, principalmente os filhos. Aferrolhadas aos seus conflitos de amor e ódio,  num cativeiro de desgraça e o nascer de uma esperança, tem na fé cristã, seu mais alto nível de defesa e salvação.

Para elucidar, segue um pequeno relato de uma sessão:  ’Tinha muito problema com a sogra. Era enciumada, falava contra a gente, eu era obrigada a tolerar. No primeiro ano de casamento ele dormia fora de casa, tinha outras mulheres. Não ligava para mim, e eu passava até fome. Ele só bebendo, as gravidezes foram muito difíceis. O terceiro filho nasceu doente e perdi o sexto filho. Eu perdi a vista direita. Mas tudo bem peguei com Deus para não separar’’.

Agressividade – O alcoólatra agride fisicamente com socos e pontapés, provocando lesões, hematomas e dores por todo o corpo da esposa. São comuns as cenas de quebradeiras em casa, principalmente objeto de uso pessoal doméstico (eletrodomésticos, cadeira, mesa, etc.).

Relação sexual – Totalmente disfuncional. Na mulher predomina a frigidez secundária e no homem, a ejaculação precoce.

Dinheiro – Descontrole entre receita e despesa. O casal passa a um estado permanente de devedor, o endividado.   São comuns, as histórias de patrimônio dilapidado, de alguém que outrora usufruía de boa remuneração, mas que no momento está desempregado ou arruinado. Antes lograva lucro, adquiria e poupava,  agora deteriora, malbarateia, prodigaliza, desperdiça e esbanja.  Então, a situação financeira da família torna-se numa sequência de perdas. É necessária ajuda de outras pessoas, tais como, pais, sogros, irmãos, tios e amigos. É construída uma nova realidade, o grupo familiar adentra num imbróglio, enredo confuso e intricado de mal-entendido, adaptação às avessas, letárgica e maléfica.

A mulher demora perceber que precisa sair dessa passividade.  Algumas mulheres reagem, vai à busca de algum rendimento, trabalho assalariado ou de autônoma. Tantas outras já se encontravam empregadas patrocinando o sustento da família, condição esta, que promove o empoderamento diante do marido.   Referendada ao posto de chefe.  gradativamente assoberbada de responsabilidades e compromissos financeiros e diametralmente oposto, ele cada vez mais desobrigado e depauperado ou por já estar desempregado ou por estar a gastar os proventos nos bares mantendo o vício. Neste estágio, falta transparência, um esconde do outro quanto ganha e o casal está cada vez mais distante da aplicação dos parcos recursos.

Os filhos – São os que mais sofrem.  Como dizem suas mães  ‘’são muito revoltados com o pai’’.  Também possuidores de sentimentos ambivalentes (amor x ódio) vivenciam uma extrema angústia.  Da mãe, não lhe restam outra coisa a não ser sentir pena. Do pai, não podem amá-lo, simplesmente impossível, devido ao alto grau de agressão sofrido. Os filhos não podem odiar o pai, porque tem sempre sua mãe e outros familiares e lembrá-lo, que apesar de tudo ele ainda é o pai. Dizem:  ‘’Você deve respeitá-lo’’;   ‘’Isto não vai acontecer mais’’;  "É só quando ele bebe, fora da bebida é uma maravilha de pessoa’’. Os filhos não acreditam em mais nada, estão em pânico. Não há o que respeitar, mas muito o que temer. Passam a viver  num estado permanente de alerta e de medo. Muitas vezes perguntam  a si:   ‘’o que vai acontecer na próxima vez? Vai bater na mãe? Vai chegar em casa carregado por alguém? Será que a policia vai prendê-lo?’’.  As mulheres passivas  e imersas nas fraquezas, utilizam dos filhos como suporte e apoio. É comum elas dizerem :  ‘’não separo do meu marido por causa dos meus filho’’.  Esta é a expressão maligna, pois neste momento a mulher inconscientemente coloca toda responsabilidade e culpa de seu mau relacionamento nos filhos. Instantaneamente, ela odeia ter tido estes filhos –  ‘’Por que fui tê-los?  Se não tivesse tido, agora estaria longe’’.  Isto é apenas uma justificativa, pois mesmo sem filhos a mulher de um alcoólatra dificilmente faz a separação judicial. Judicial, porque na verdade o casal já esta separado há anos. Ainda sobre os filhos, as mães alimentam esperanças de boas novas –  ‘’quando eles crescerem eles me ajudarão’’.  Deste desejo, advirá o chamado filho identificado, seja para manifestar as fantasias de grandes realizações ou para transmitir toda a estrutura recalcada e angustiante.

 

O grupo terapêutico busca promover basicamente à consciência da mulher do alcoólatra a um nível elementar de racionalidade, tentando tirá-la da passividade. A proposta é reforçar a auto-estima do casal. O caminho a ser seguido é fazer com que a mulher analise todos os pontos referidos neste breve escrito, compreendendo seu processo e partir para uma nova atuação dentro do núcleo familiar. Uma atuação, que diminuirá os conflitos, aliviará a ansiedade e angústia, acabando ou diminuindo sensivelmente com os sintomas que motivaram a primeira consulta psiquiátrica.

A hipnose é uma ferramenta valiosa para elevar a auto estima, caber ao terapeuta utilizar o recurso da sugestão: Cada uma de vocês procure se acomodar na cadeira da melhor maneira que lhe convierem. O importante é que cada uma de vocês procurem a posição mais confortável.  O mais importante aqui, neste momento, na medida do possível, são vocês sentirem bem. Inspire... expire. Respire profundamente... inspire....expire. Permita-se fechar os olhos, e agora, novamente respire profundamente, inspire... expire. Sinta cada parte do seu corpo, sinta os pés envolvidos pelos calçados e apoiados no chão, apoiados, firmes, seguros. Em seguida sinta os tornozelos e as pernas... as pernas que te ajudam a caminhar, com equilíbrio, relaxe...relaxe.., relaxe...inspire e expire, agora sinta os joelhos, as coxas e os quadris, relaxe... relaxe...dos quadris até a região do pescoço sinta a coluna que na parte de trás está encostada...bem encostada...confortavelmente...relaxe...relaxe...sinta o pescoço, a nuca e a parte de trás da cabeça....a parte de cima, a lateral direita e a lateral esquerda ...toda a sua cabeça.....relaxe, relaxe.  Assim você está do alto de sua cabeça até a ponta dos pés bem a vontade, tranquila, confortavelmente. Corpo e mente. Mente e corpo, saudáveis em perfeita sintonia. A cor dos seus olhos, o som da sua voz, sua impressão digital e os seus sentimentos são únicos. Entre milhões e milhões de pessoas neste mundo não existe ninguém igual a você. Você tem a sua identidade. Corpo e mente, mente e corpo formam a sua carteira de identidade, respire profundamente e lá de dentro do seu eu existe uma energia que lhe enche de forças para superar obstáculos e vencer barreiras. Respire profundamente, relaxe, relaxe. Permaneça assim um pouco mais de olhos fechado, usufruindo desta energia, desta força interior.  Isso, agora pouco a pouco você vai abrindo os olhos, voltando... para o aqui e agora.

Na hipnoterapia é valiosa a analogia.  Analogia da carteira de identidade, documento de identificação onde consta o nome pessoal, nome dos pais, a data de nascimento, a naturalidade, nacionalidade, assinatura, impressão digital e foto. São registros relevantes das pacientes que muitas vezes passam despercebidos da qual elas esquecem.  No estado de transe é importante relembrar às esposas que elas possuem uma carteira de identidade, o registro da individualidade, 1 + 1 = 2, sendo extremamente patológico quando a matemática psicológica transforma em 1+1 = 1.

 

Dr. Júlio César de Almeida Barros
Psiquiatra com 36 anos de experiência clínica e formação em  hipnoterapia individual e de grupo.
Criou e inaugurou o Pronto Atendimento Psiquiátrico em 1987, desde então, adquiriu grande conhecimento e prática em emergências psiquiátricas.

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