Hipnose e sua associação a terapias - Prof. Malomar

Texto:  Malomar Lund Edelweiss  (* in memoriam)
Fundador e dirigente do Curso e Grupo de Estudos de Hipnoterapia e Hipnoanálise em Belo Horizonte (MG). Psicólogo com mais de cinquenta anos de experiência em hipnose. Fez psicanálise didática em Viena, no Círculo Vienense de Psicanálise. Fundou, em 1956, o Círculo Brasileiro de Psicanálise.

O termo hipnose evoca, naturalmente, a ideia de sono. Foi o que pretendeu James Braid, ao criá-lo, em 1841. Parecido com o sono fisiológico, à noite, há um sono psicológico que, de natureza diferente, possui, no entanto, caracteres semelhantes aos daquele.

Esse estado mental recebeu o nome de hipnose (do grego: hypnos=sono). Pode ser induzido em alguém, por outrem. Seu ponto máximo é o sonambulismo, no qual o hipnotizado pode caminhar (ambular) e perfazer os iguais aos de vigília. O nome lhe foi atribuído por analogia ao sonambulismo natural: alguém durante o sono, levantar-se da cama, perambular pela casa, executar determinadas ações, voltar a deitar e, no dia seguinte, não ter lembrança alguma do que fez (perda de consciência).

No estado sonambúlico hipnótico, normalmente, o sujeito não se põe a caminhar, a menos que se lho sugira. Neste sentido, a rigor, a denominação é incorreta. O fato maior é a docilidade do hipnotizado ao hipnotizador. Nunca, porém, total, segundo a crença popular.

Em resumo: submeter-se ao comando de outrem (o hipnotizador), pela ação do qual se entra num estado com aparência de sono (hipnotizado) passando a agir de acordo com as sugestões daquele, e não lembrando o que ocorreu (amnésia pós-hipnótica)-eis, por mais de um século, a noção comum de hipnose, que persiste até hoje, mesmo entre pessoas de bom nível intelectual, sem excluir profissionais da área de medicina e da psicologia.

Concorrem para isto, já no século XIX, textos romanceados, sucedendo-lhes os espetáculos de palco, as fitas cinematográficas e, por último, a televisão.

O estudo e a prática da hipnose, hoje, tem como objeto uma gama variável de estados de consciência, que podem ir, desde o que corresponde a um simples absorver-se numa ideia ou pensamento e se distrair dos demais, até o sonambulismo.

Este sob aparentes traços específicos do sono, revela, pelos dados da ressonância magnética, profunda concentração mental. Braid, que forjou o vocábulo hipnose, tentou substituí-lo mais tarde sem sucesso, por monoideísmo, que define melhor a natureza da realidade ocorrente: uma ideia ou representação central polariza o fenômeno consciência e torna todas as demais periféricas, secundárias.

No século passado, Josef Breuer cunhou, para isto, a classificação de estados hipnóides. Em 1892, Freud afirmou que tais estados pertenciam à mesma linha dos fenômenos psíquicos normais do dia-dia, os quais apresentam natural variação de clareza de consciência. Mas o que quer que fossem essencialmente, eram considerados imprescindíveis na clínica psicológica.

A essa época, o pai da psicanálise, no tratamento hipnótico dos clientes com distúrbios mentais, praticava o que aprendera dos mestres franceses, Charcot, Liébeault e Bernheim, em síntese: transe profundo, acompanhado da sugestão autoritária de desaparecimento dos sintomas.

A exigência era demasiada (nem sempre se atinge o sonambulismo) e o resultado, escasso (com frequência, os sintomas voltavam). Foi esta hipnose que Freud abandonou por volta de 1896. Não é essa hipnose que, hoje se pratica. - Sem a desilusão com o malogro da hipnose que exercia, Freud não teria tido o estímulo para criar a psicanálise.

Não obstante a decepção sofrida, declarou, com honestidade, que a psicanálise tinha uma enorme dívida de gratidão para com a hipnose, pois: "a hipnose tornava palpável o inconsciente". Hoje, o fato recíproco, de que a hipnose atual é enormemente obrigada á psicanálise, é igualmente verdadeiro.

Sem a hipnose de Freud, a psicanálise não teria surgido. Sem a psicanálise de Freud, a hipnose não teria alcançado o estágio em que se encontra hoje. A hipnose de ontem (de Freud) tornava palpável o inconsciente. A hipnose de hoje (pós-Freud) facilita o acesso ao inconsciente.

A hipnose em si, não é terapia. decisiva é a sugestão terapêutica que a acompanha, de modo claro ou implícito. Confere acesso mais ágil ao inconsciente, facilita o manejo dos seus processos e a abordagem de seus conteúdos. Dá-se, assim, uma potencialização da técnica psicoterápica usada, que age mais direta e eficientemente.

Os estados de consciência que se apresentam durante o transe também podem surgir fora deste por qualquer outra causa natural. São como efeitos colaterais, possíveis em qualquer tratamento. O profissional deve estar capacitado a resolvê-los. É imprenscidível, pois, seja o terapeuta competente, também no uso da hipnose.

Em 1923, Pierre Janet, que nunca abandonou a hipnose em sua vasta e selecta clínica afirmou: "A hipnose está morta... até que ressuscite!". O mestre francês assistiu, ainda em vida, a realização dessa profecia, na década de quarenta.                                                                              

A psicoterapia

O homem, com mente e corpo, forma original e indissolúvel unidade psicossomática. Como pessoa, obrigatoriamente, vive num contexto social, de certa natureza e tamanho. Do qual é parte, queira ou não.

O útero anatômico, órgão corpóreo, gera o homem biologicamente. Sua função exige pai e mãe reais, ainda que venham a desaparecer. O útero social, a família, gera o homem psicologicamente. Sua função, também, exige pai e mãe, reais ou substitutivos, ainda quando, eventualmente, neste último caso, não se torne claro quem, de fato, desempenha esse papel.

A saúde ou patologia da mente ou do corpo, do indivíduo ou do grupo no qual se insere, interagem de modo recíproco e fatal. A vida do homem se desenvolve num contexto onde nada é indiferente ou inerte. Nenhum de seus fatores é único e absoluto, nem pode, artificial e imprudentemente, ser pensado como tal.

No curso ora proposto, entrosam-se conceitos da psicanálise freudiana, os da personalidade de Igor Caruso e os da terapia de Milton H. Erickson, numa síntese além do mero ecletismo descoordenado.  No domínio da psicoterapia, como noutros, vale que o bom resultado é tanto mais provável, quanto mais instrumentos úteis houver.

O estado de transe inclui, sempre, naturalmente, alguma regressão, que é um dos fatores atuantes na sondagem de vivências soterradas pela amnésia. Não é o único nem o mais claro deles. Malgrado os progressos, pouco se sabe, ainda, sobre os aspectos fundamentais da vida psíquica. Seu conhecimento normal está sujeito às correções provindas de novas descobertas.

O novo é, de que algum modo, contrário ao antigo. Em qualquer momento, porém,  a defasagem entre as formulações intelectuais vigentes e a realidade, não é jamais, inócua. A distinção correta entre hábito, modismo e achado autêntico, dará qualidade ao saber e ao valor do seu uso na clínica.

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