Hipnose aplicada em terapia de grupo de pacientes com deficiência mental profunda

Hipnose aplicada em terapia de grupo de pacientes com deficiência mental profunda

Texto:      

Dr. Júlio César de Almeida Barros Psiquiatra com 36 anos de experiência clínica e formação em  hipnoterapia individual e de grupo. Criou e inaugurou o Pronto Atendimento Psiquiátrico em 1987, desde então, adquiriu grande conhecimento e prática em emergências psiquiátricas.

"Relato de uma sessão realizada no dia 12/01/98, de 09:30 às 12 horas.’’

  O grupo foi iniciado com dois pacientes e seus familiares. Mary, 47 anos, em tratamento há 2 anos, sempre acompanhada de sua irmã Sylvia. Renner de 15 anos, em tratamento há 1 mês, acompanhado da mãe de um amigo da família, que ajuda cuidar do paciente.

   O Psiquiatra propõe o assunto inicial: falar sobre os remédios de uso dos pacientes. Dirigindo-se à mãe do Renner, o Psiquiatra pergunta:

- Quais os medicamentos que ele está tomando?

- ‘’Haldol, Akineton, Gardenal, Tegretal e Melleril. Ele se dá muito bem com o Haldol. Este mês melhorou muito. Não bateu com a cabeça. Ficou mais tranqüilo. Foi muito bom o tratamento.’’

- A Sra sabe para que serve o Haldol?

- Para ele ficar calmo

- Mas o que?

- Não sei.

     O Psiquiatra se dirige a irmã de Mary:

- Você sabe qual a finalidade do Haldol?

- Não. Não sei, mas o Haldol não fez bem para ela.

- Correto, o Haldol é para ficar mais calmo. Principalmente diminui a agitação motora. O paciente consegue ficar mais quieto. Consegue ficar sentado, não bate a cabeça na parede. Ajuda, também a coordenar o pensamento. Mas, cada paciente tem sua própria reação ao Haldol.

      O Psiquiatra continua a discussão sobre os efeitos  e objetivos dos medicamentos:

- E o Akineton?

- ‘’É pra não deixar babar.’’ _responde a mãe de Eder.

- O Akineton não tem nenhuma ação sobre a doença. O Akineton evita o efeito colateral do Haldol. O Haldol sozinho provoca impregnação. O paciente começa a babar, fica com o corpo duro e começa andar feito robô. Com o uso do Akineton isto não acontece.

    A pedido do Psiquiatra, a Enfermeira entra na sala para aplicar 1 ampola de Fluefenan Depot no paciente Renner. Quando o paciente vê a seringa e a enfermeira indo em sua direção, levanta da cadeira e começa a gritar. Bate as mãos e os pés na Enfermeira, revoltando contra a aplicação da injeção. A medicação foi aplicada com a ajuda do Psiquiatra, da mãe, do amigo da família, e da Enfermeira.

     Logo após a aplicação, o Psiquiatra sai da sala de Terapia de Grupo, vai até a recepção e verifica se chegou mais algum paciente. Mais dois pacientes: Peter, acompanhado de sua irmã e Amaury acompanhado de seu irmão. O psiquiatra solicita para que se dirijam para a sala de terapia.

    Amaury, 32 anos, entra aos gritos. É a primeira vez que comparece à terapia de grupo, após um mês de tratamento. O irmão está assustado e parece não compreender muito bem o que está fazendo ali. Peter fica num senta-levanta, e o irmão a todo momento tem que contê-lo sentado.

       Peter de 36 anos, vai completar seis anos de tratamento. A irmã fala do sucesso do tratamento. O paciente está mais calmo e nunca mais teve crise convulsiva.

      O Psiquiatra novamente sai da sala e solicita que a Enfermeira traga 2 ampolas de Flufenan Depot. Uma ampola é aplicada no músculo, do braço direito de Peter. Depois de muita força, segurando os braços e as pernas, e outra ampola de Flufenan Depot foi aplicada em Amaury.

      Continuando a terapia de grupo, a mãe de Eder retoma o diálogo:

- ‘’Muitos familiares não têm paciência com seus doentes e acabam levando para Barbacena. O que acontece lá é a pior coisa do mundo. Já tive um irmão que ficou internado lá. Ele ficava preso e recebia a comida dentro da cela.’’

- O irmão de Amaury faz o seguinte comentário: ‘’Ele passou melhor este mês. Ele não bateu com a cabeça na parede. Por que será que eles batem com a cabeça na parede? Fazem isto ate machucar, mas não param. Ele quebra tudo dentro de casa, objetos, portas, vidros’’.

   O Psiquiatra retoma a palavra e começa a indução à hipnose. É muito importante estarmos aqui reunidos, para trocarmos experiências de como cuidar de pacientes como eles. São pessoas que nasceram com estes tipos de problemas, e se eles não podem ter uma cura completa, poderiam melhorar cada vez mais os sintomas. Eu não sei tudo sobre eles, suas doenças talvez nem mesmo medicina saiba. Mas vocês que tem uma convivência diária, podem aumentar sua capacidade de observação dos sintomas, dos comportamentos, das dificuldades e também do seu modo de lidar com eles. Depois destas explicações , o Psiquiatra levanta e dirige até o aparelho de som que está colocado no fundo da sala e coloca o disco de vinil – Mozart (concerto para piano e orquestra n° 24, K 491, 1° movimento Allegro, 2° movimento Larghetto, 3° movimento Allegretto). Ao som da música bem baixinha, o Psiquiatra muda a tonalidade da voz e continua... Agora gostaria que vocês pudessem fechar os olhos  e por breve momento ou de outro modo por um momento mais prolongado, respirassem profundamente. À medida que vocês respiram profundamente acomodem-se na poltrona da melhor maneira possível, ao seu modo, do seu jeito, no seu ritmo e comecem a experimentar a sensação de re-la-xa-men-to. Até uns minutos atrás sua mente consciente pode ouvir tudo que eu estava dizendo, assistir tudo que se passava nesta sala. Agora, ao voltar com os seus olhos para dentro, experimentam deixar ouvir a voz que vem de dentro do seu eu, a voz da sua experiência de estar por longos anos cuidado de seu irmão, irmã, filho, filha. Esta experiência está ai, registrada e armazenada na mente inconsciente. Esta experiência é fruto da sua persistência e de sua força de vontade, que soube superar todos os obstáculos surgidos. Por isto ao estar aqui hoje, nesta terapia, ao respirar profundamente e relaxar, vocês renovam suas energias. O seu corpo e sua mente fortalecem cada vez mais... mais... e mais..., aumentando mais ainda o relaxamento em seus pés, que mantém o seu corpo de pé..., sinta as pernas que te ajudam a caminhar nesta estrada da vida, uma estrada muitas vezes de poeira, de pedras, de asfalto, ou uma estrada as vezes de descida e outras vezes de subida, de curvas e de retas... (o Psiquiatra faz silêncio, e continua  somente o som da música). Agora sinta joelhos que estão dobrados e nem haveria outro modo, pois vocês estão ai sentados nesta cadeira, ... sintam as coxas, os quadris, o abdômen (a barriga), re-la-xan-do. Agora, a coluna que é o esteio da sua própria vida. O peito, ouça a voz do seu coração que joga o sangue pelas suas veias, levando  o alimento para todas as células do seu corpo. Isso, relaxe... relaxe.  Agora os ombros onde pesam o peso dos compromissos, das responsabilidades: como mãe, pai, irmão, irmã, como dona de casa, como trabalhador (a), como homem, como mulher. Solte seus ombros, movimente sua cabeça para direita, para esquerda, para frente, para trás. Solte todos os músculos em volta do seu pescoço e relaxe, ...isso, respire profundamente, ...respire, ... respire profundamente... e... sinta a sua cabeça, onde estão guardadas todas as lembranças e recordações, que vem lá de dentro do seu eu, do seu eu mais profundo, onde estão registradas e depositadas na sua mente inconsciente, que vem lá de outrora, quando ainda nem se entendia por gente, ou de outro modo lembranças da infância... da mocidade... e agora adulto... isso..., respire profundamente... e sinta todo o seu corpo agradavelmente, confortável, relaxado (silencio do Psiquiatra, continua a música por mais uns três minutos). Agora, respire três vezes profundamente e pode ir trazendo-se de volta, pouco a pouco, abrindo os olhos, despertando e ficando bem à vontade. Esta indução hipnótica, durou aproximadamente, uns quinze minutos. Havia por parte do Psiquiatra uma preocupação de não demorar muito com a regressão dirigida (RD). Por receio dos pacientes não suportarem, até mesmo uma possibilidade de provocar ou aumentar uma agitação psicomotora. Previsão que não se concretizou, muito pelo contrario, houve um bom aproveitamento por parte dos familiares e pacientes. Só o paciente Amarildo permaneceu de olhos semi-abertos, os demais ficaram de olhos fechados. Até mesmo Amarildo, que antes da indução estava bem agitado, acalmou e ficou apenas balançando o corpo sentado na cadeira, sem levantar. O comentário de todos os familiares é de que estavam sentindo-se bem e relaxados. Assim terminou a hipnoterapia de grupo.

     Todos saem da sala de terapia e dirigem-se à sala de espera onde está a secretária. No fundo desta sala de recepção, o consultório, onde o Psiquiatra atende individualmente e faz a farmacoterapia. O Psiquiatra vai chamando o paciente, acompanhado de seus respectivos familiares. Faz perguntas especificas sobre os efeitos dos medicamentos, benefícios, ação sobre os sintomas, efeitos colaterais e outras dúvidas colocadas pelos familiares. Por fim, o Psiquiatra faz a receita e marca data do próximo mês para o retorno.

Considerações Teóricas:

       Todos os quatro pacientes apresentam nível de comunicação não-verbal. Comportamentos bizarros primitivo sem sentido, freqüentemente difícil de ser interpretado. Poderiam ser enquadrados na classificação de deficientes mentais semidependentes (ou subtreináveis) e dependentes, como descreve Pérez-Ramos (7) (1982, p. 31).

        Níveis de retardo por período evolutivo do deficiente mental dependente: atraso intenso em todas as áreas de desenvolvimento; apresenta reações emocionais básicas, pode responder de forma limitada aos estímulos sociais; pode integrar-se a ma rotina; necessita de supervisão continua; beneficia-se do treinamento de hábitos iniciais de higiene pessoal; pode adquirir hábitos de cuidados pessoais em nível muito limitado; comunica-se com movimentos primários e sons soltos; necessita de proteção e atendimentos contínuos.

          Níveis de retardo por período evolutivo do deficiente mental subtreinável: marcado atraso no desenvolvimento intelectual, sensorial e motor; responde ao treinamento de hábitos simples de auto-ajuda (por exemplo, alimentar-se) habilidade mínima para comunicar-se; aprende a cumprir ordens simples e comunicar-se através de sentenças curtas; locomovem-se com independência e intencionalmente; pode ser treinado em algumas habilidades manuais simples, tem possibilidade de realizar atividades repetitivas e da rotina diária; pode contribuir, de alguma forma, para sua própria manutenção, havendo manutenção regular.

Bibliografia:

    _Malomar Lund Edelweiss – Com Freud e a Psicanálise de Volta a Hipnose 1994.

     _Abrael Leal Souza, Angela Baptista. – Clientela a Representações, Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Mai/Jun 1985, Vol. 34 N° 3.

       _Paulo Rennes Marçal ribeiro, Denise Maria Nepomuceno. – Sexualidade e deficiência mental, Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Mai 1992, Vol. 41 N° 4.

     _ Kaplan e Sadock – Compêndido de Psiquiatria Dinâmica, 1984.

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